Irradiação de alimentos é um processo básico de tratamento comparável à pasteurização térmica, ao congelamento ou enlatamento. Este processo envolve a exposição do alimento, embalado ou não, a um dos três tipos de energia ionizante: raios gama, raios X ou feixe de elétrons. Isto é feito em uma sala ou câmara especial de processamento por um tempo determinado. A fonte mais comum de raios gama, para processamento de alimentos, é o radioisótopo 60Co. O alimento é tratado por raios gama, originados do Cobalto 60 em uma instalação conhecida como irradiador, O fóton gama é uma radiação eletromagnética de comprimento de onda muito curto, semelhante aos fótons: ultravioleta, luz visível, infravermelho, microondas ou ondas de rádio usadas na comunicação, diferenciando dessas pela energia, i.e., pelo seu comprimento de onda muito curto. Lembre-se que a energia se relaciona com o comprimento de onda pela relação
sendo: h = 6,6256x10-34 J.s a constande Planck;
= a frequência (Herts, Hz ) da onda;
c = 2,998x108 m/s, a velocidade da luz no vácuo e
= comprimento de onda (metros, m).
Observe, na fórmula, que o comprimento de onda encontra-se no denominador e portanto quanto menor o seu valor, maior será a energia radiante.
Para você evoluir a compreensão do uso da irradiação de alimentos é importante retomar o conceito de dose absorvida.
Quando é dissipada a energia de um joule (J) em um kilograma (kg) de qualquer material diz-se que o material recebeu a dose de um gray (Gy). Nesta aula vai ser mencionado com muita freqüência o termo gray. Antes de evoluir o tema da irradiação de alimentos vamos explorar alguns fenômenos já bem consolidados pela nossa experiência cotidiana .
Quando cozemos um kilograma de arroz (água + grãos de arroz) ao elevar a temperatura de aproximadamente 20 oC para 100 oC (ponto de ebuliçao da água) o sistema absorve 1000 g x 80 oC 80000 cal/kg 334944 J/kg = 335 kGy. Lembrando que as reações químicas ocorrem com envolvimento de alguns eV de energia então ao disponibilizar ao sistema (água + arroz) 334944 J = 2,09x1024 eV infere-se que há energia suficiente para produzir imensas quantidades de reações químicas no processo de cozimento. As reações químicas produzidas, dentre outros efeitos, produz o amolecimento do arroz. Nesse processo a água recebe uma imensa quantidade de energia que possibilita a produção de uma enorme quantidade de radicais livres. O benefício deste processo é que o alimento praticamente fica estéril.
Vamos tecer essas mesmas considerações para o uso de um instrumento recentemente muito comum em nossas casas: o forno de micro-ondas. Esse equipamento aquece a água emitindo radiação com freqüência de aproximadamente 1 GHz (giga hertz). Isto implica que os fótons dessa radiação possuem comprimento de onda de:
e em termos de energia os fótons do micro-onda possuem aproximadamente:
A potencia dos equipamentos de micro-ondas é de aproximadamente 700 W (=1J/s) e a energia dissipada é de aproximadamente 700 J/s. Se o equipamento consegue elevar um litro d'agua (1 kg) da temperatura de 20 oC para 100 oC em aproximadamente 8 min (480 s) isto implica que a massa de água de 1 kg recebe 334944 J/kg 335 kGy. Para atingir essa dose foram necessários 5x1029 fótons de = 0,3m para aquecer a água (334944 J ÷ 6,6256x10-25 J/fóton). Você que já assimilou o conceito de dose e a produção de radicais livres já está imaginando a quantidade possível de radicais livres produzidos e as reações químicas induzidas por eles no simples ato de aquecer o alimento num forno de micro-ondas.
A análise até aqui elaborada também explica algumas curiosidades que eventualmente surgem, por exemplo, sendo a porta do forno de micro-ondas vazada para permitir olharmos o estado do alimento em seu interior pergunta-se: isto não expõe o usuário à radiação gerada? Observe que os furos contidos na porta possuem um diâmetro de aproximadamente 2 mm. Os fótons de 30 cm da radiação gerada são demasiadamente grandes para passar pelos pequenos furos. Mas, se a porta sofrer algum dano e surgir frestas do tamanho dos fótons emitidos (30 cm) o equipamento poderá se tornar perigoso! Lembre-se que o cérebro e os olhos são constituídos com um alto teor aquoso (~90%)!
A irradiação de alimentos emprega uma forma particular de energia eletromagnética conhecida por "radiação ionizante". Este termo é usado porque essa radiação produz partículas carregadas eletricamente, chamadas "íons", em qualquer material com o qual entrem em contato. Em circunstâncias particulares, a radiação ionizante é uma técnica de processamento de alimentos muito efetiva e útil.
A energia gama do 60Co pode penetrar no alimento causando pequenas e inofensivas mudanças moleculares que também ocorrem no ato de cozinhar, enlatar ou congelar. De fato, a energia simplesmente passa através do alimento que está sendo tratado e, diferentemente dos tratamentos químicos, não deixa resíduos. A irradiação é chamada de "processo frio" porque a variação de temperatura dos alimentos processados é insignificante. Os produtos que foram irradiados podem ser transportados, armazenados ou consumidos imediatamente após o tratamento.
A irradiação funciona pela interrupção dos processos orgânicos que levam o alimento ao apodrecimento. Raios gama, raios X ou elétrons são absorvidos pela água ou outras moléculas constituintes dos alimentos, com as quais entram em contato. No processo, são rompidas células microbianas, tais como bactérias, leveduras e fungos. Além disso, parasitas, insetos e seus ovos e larvas são mortos ou se tornam estéreis.
OS BENEFíCIOS
A irradiação não é um "milagre" técnico capaz de resolver muito dos problemas de preservação de alimentos. Ela não transforma alimento deteriorado em alimento de alta qualidade. Além disto, esse tratamento não é adequado para certos tipos de alimentos, assim como outra técnica de preservação pode não ser adequada para alguns tipos de alimentos.
A irradiação de alimentos pode resolver problemas específicos importantes e complementar outras tecnologias. Ela representa uma grande promessa no controle de doenças originárias de alimentos, tais como a salmonelose, que é um problema mundial. A irradiação de alimentos também é efetiva na desinfestação, particularmente em climas quentes, em que os insetos consomem uma grande porcentagem da safra colhida.
A irradiação de alimentos também pode aumentar o tempo de prateleira estocagem de muitos alimentos a custos competitivos, ao mesmo tempo em que fornece uma alternativa ao uso de fumigantes e substâncias químicas, muitas das quais deixam resíduos.
Em muitos casos, alimentos irradiados em sua temperatura de armazenamento ideal e em embalagens a vácuo durarão mais e manterão por mais tempo sua textura original, sabor e valor nutritivo se comparados com aqueles termicamente pasteurizados, esterilizados ou enlatados.
A SEGURANÇA DOS ALIMENTOS IRRADIADOS
Observe que o nível de dose utilizado na irradiação de alimentos é no máximo 10 kGy cujo valor é muito menor aos outros processos, como o aquecimento e o uso do forno de micro-ondas.
A irradiação pode induzir a formação de algumas substâncias, chamadas de produtos radiolíticos, na constituição dos alimentos. Estas substâncias não são radioativas e não são exclusivas dos alimentos irradiados. Muitas delas são substâncias encontradas naturalmente nos alimentos ou produzidas durante o processo de aquecimento (glicose, ácido fórmico, dióxido de carbono). Pesquisas sobre essas substâncias não encontraram associação entre a sua presença e efeitos nocivos aos seres humanos.
Em relação aos nutrientes, a irradiação promove poucas mudanças. Outros processos de conservação, como o aquecimento, podem causar reduções muito maiores dos nutrientes. As vitaminas por exemplo, são muito sensíveis a qualquer tipo de processamento. No caso da irradiação, sabe-se que a vitamina B1 (tiamina) é das mais sensíveis, mas mesmo assim as perdas são mínimas. A vitamina C (ácido ascórbico), sob efeito da irradiação, é convertida em ácido dehidroascórbico, que é outra forma ativa da vitamina C.
A irradiação de alimentos tem sido objeto de pesquisas intensas por mais de quarenta anos. Organizações internacionais tais como a FAO e a WHO revisaram estas pesquisas e concluíram que a irradiação de alimentos é segura e benéfica. Similarmente, o valor nutricional de alimentos irradiados foi comparado com o de alimentos tratados por outros métodos, com resultados favoráveis.
Em 1983, a Comissão do Codex Alimentarius, um grupo das Nações Unidas que desenvolve normas internacionais para alimentos, concluiu que alimentos irradiados abaixo de 10 kGy não apresentam risco toxicológico. Atualmente, níveis de tratamento dentro desta faixa, estão sendo mundialmente realizados.
Nem a energia gama, nem os níveis internacionais estabelecidos para aceleradores de elétrons podem fazer com que o alimento se tome radioativo. O processamento por radiação não torna o alimento radioativo da mesma forma que os raios X usados para a segurança em aeroportos não tomam as bagagens radioativas. Sobre este assunto reveja a aula A Interação da Radiação Gama com a Matéria, particularmente o tópico sobre a interação de Fotodesintegração.
NÍVEIS DE TRATAMENTO E SEUS EFEITOS
A irradiação de alimentos pode produzir uma variedade de resultados, dependendo do tipo do alimento e da quantidade de energia ionizante absorvida no alimento. Esta energia é usualmente medida por uma unidade conhecida como "gray" Gy ou "rad", sendo que 1 Gy = 100 rads.
REGULAMENTOS SOBRE IRRADIAÇÃO DE ALIMENTOS
Alimentos irradiados já foram aprovados em dezenas de países ao redor do mundo (ver o quadro na próxima página). Alimentos são normalmente aprovados para irradiação em bases individuais. Por exemplo, nos EUA uma aprovação para se irradiar um alimento é concedida pela Administração de Alimentos e Drogas (FDA), depois do exame de uma petição específica para aquele alimento. Uma petição pode ser submetida por um indivíduo, uma empresa privada, uma instituição educacional ou qualquer outra entidade. Outros países têm procedimentos similares. Alimentos irradiados oferecidos para consumo em mercearias devem ser rotulados como símbolo internacional denominado"Radura",
O símbolo deve ser acompanhado pelas palavras "tratado por irradiação" ou "tratado com radiação". Esta rotulagem é exigida por lei, para informar aos consumidores que eles estão comprando um alimento que foi processado. Este aviso é necessário porque a radiação não deixa nenhum vestígio indicando que o alimento foi processado. Ninguém pode detectar se um alimento foi irradiado seja pela aparência, cheiro ou toque. Isto contrasta com outras técnicas de processamento, tais como cozinhar, enlatar ou congelar, processos em que se percebe o tratamento. Os alimentos irradiados servidos em estabelecimentos tais como restaurantes não necessitam de nenhum rótulo ou declaração no cardápio, pois o alimento oferecido, obviamente terá sido processado. A rotulagem, também, não se faz necessária no caso de ingredientes irradiados que entram em um composto alimentar em pequena proporção. Como exemplo disso pode-se citar um ingrediente seco ou tempero que foi processado por irradiação, e depois adicionado em pequena proporção em um produto alimentício.
COMERCIALIZAÇÃO E ATITUDES DO CONSUMIDOR
Porque tantos países têm utilizado a irradiação dos alimentos?
Principalmente por uma questão econômica. Segundo a (FAO), cerca de 25% de toda produção mundial de alimentos se perde pela ação de microorganismos, insetos e roedores. A germinação prematura de raízes e tubérculos condena à lata de lixo toneladas desses produtos e é um fenômeno mais intenso nos países de clima quente, como o Brasil. A irradiação ajuda a reduzir essas perdas e também reduz a dependência de pesticidas químicos, alguns deles extremamente nocivos para o meio ambiente (ex. metilbrometo).
Entre os alimentos submetidos a esse processo estão as frutas, vegetais, temperos, grãos, frutos do mar, carne e aves. Mais de 1,5 toneladas de alimentos é irradiada no mundo a cada ano, segundo a Fundação para Educação em Alimentos Irradiados (entidade norte-americana). Embora essa quantidade represente apenas uma pequena fração do que é consumido no mundo todo, a tendência é crescer.
[Revista NutriWeb, www.epub.org.br/nutriweb/n0202/irradiados.htm].
A tecnologia de irradiação de alimentos recebeu, durante os anos noventa, um grande interesse do público, da imprensa e da indústria alimentícia. Isto se deve, principalmente, à instalação na Flórida, do primeiro irradiador Norte Americano totalmente dedicado à irradiação de alimentos, ao marketing inicial de alimentos tratados naquela instalação e a aprovação governamental da irradiação de carne de frango. Estudos relacionados com o consumo, em base nacional, indicam que 45% a 55% dos consumidores desejariam comprar carne vermelha ou de frango irradiadas e, por isto, com o índice reduzido de bactérias. O endosso do processo por entidades como o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e a Associação Médica Americana (AMA), deram ao processo uma grande credibilidade junto aos consumidores. Testes de mercado em mercearias e demonstrações confirmaram o nível de aceitação do consumidor. Produtos irradiados da Flórida estão à disposição dos consumidores em certos mercados dos Estados Unidos, desde 1992. Estes produtos são irradiados para a extensão do seu tempo de prateleira, e têm sido bem recebidos pelos consumidores. Morangos e cogumelos irradiados muitas vezes superaram, em volume de venda, os produtos não irradiados na proporção de 10 para 1 ou até mais. Em 1995, mamões importados do Havaí para serem desinfestados nos EUA foram vendidos para consumidores do meio oeste americano. Carne de frango tem sido irradiada para controlar a Salmonela e colocada à disposição de mercados limitados dos EUA desde 1993. Mais recentemente, o mercado de alimentos tem utilizado frango irradiado em quantidades crescentes. Estabelecimentos tais como hospitais e restaurantes têm consumido este produto em bases regulares. Usando normalmente em suas cozinhas frango irradiado para redução de bactérias patogênicas, estes estabelecimentos reduzem o risco de contaminação cruzada de outros alimentos, durante a sua preparação.
Alimentos Irradiados no Brasil
No Brasil, a legislação sobre irradiação de alimentos existe desde 1985 (Portaria DINAL no. 9 do Ministério da Saúde, 08/03/1985). Apenas duas empresas realizam esse serviço e estão localizadas no estado de São Paulo.
Em Piraciba, o Centro de Energia Nuclear para Agricultura (CENA), da Universidade de São Paulo, vem realizando pesquisas na área e presta serviço para as indústrias. O Instituto de Pesquisas Nucleares, também da USP, além de realizar pesquisas na área, realiza um trabalho junto aos produtores, mostrando os benefícios e vantagens da irradiação de alimentos.
Leia também http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/21_01rdc.htm para conhecer a Resolução - RDC nº 21, de 26 de janeiro de 2001
entre outros assunto encontra-se nesse site um conjunto de definições que constitui um verdadeiro resumo da temática dos Alimentos Irradiados:
RESUMO GERAL
(Extraído da Resolução - RDC nº 21, de 26 de janeiro de 2001)
Irradiação de alimentos:
Processo físico de tratamento que consiste em submeter o alimento, já embalado ou a granel, a doses controladas de radiação ionizante, com finalidades sanitária, fitossanitária e ou tecnológica.
Alimento irradiado
É todo alimento que tenha sido intencionalmente submetido ao processo de irradiação com radiação ionizante.
Radiação ionizante
Qualquer radiação que ioniza átomos de materiais a ela submetidos. Para efeito deste Regulamento Técnico serão consideradas radiações ionizantes apenas aquelas de energia inferior ao limiar das reações nucleares que poderiam induzir radioatividade no alimento irradiado.
Dose absorvida
Quantidade de energia absorvida pelo alimento por unidade de massa.
Irradiadores
Equipamentos utilizados para irradiar alimentos.
Designação
A denominação dos alimentos tratados por irradiação é a designação do alimento convencional de acordo com a legislação específica.
Referências Bibliográficas
O presente texto foi extraído, parcialmente e modificado, da divulgação preparada pelo:
CDTN - Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear-CNEN/MG.
Rua Professor Mário Werneck, s/n Pampulha
Caixa Postal 941
Belo Horizonte-MG
CEP 30123-970
Home page: http://www.urano.cdtn.br e-mail: cdtn@urano.cdtn.br
Agência Nacional de Vigilância Sanitária http://www.anvisa.gov.br/mapa/index.htm
Revista NutriWeb
www.epub.org.br/nutriweb/n0202/irradiados.htm
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